quinta-feira, abril 26, 2007

mapa(s) do teu interior



Nada mudou.
O corpo faz doer,
tem que comer, que respirar e que dormir,
tem a pele fina e o sangue logo em baixo,
provisão farta de dentes e de unhas,
ossos que quebram, articulações que esticam.
Nas torturas tudo isto é tido em conta.

Nada mudou.
O corpo treme como tremeu
antes e após a fundação de Roma,
no século XX antes de Cristo e depois,
torturas há, como antes houve,
apenas a terra diminuiu,
e o que quer que se passe é como se passasse ali à esquina.

Nada mudou.
Há só mais gente.
às velhas culpas novas se juntaram,
reais, insinuadas, fugazes e nenhumas,
mas o grito com que o corpo lhes responde,
é, foi e será um grito de inocência,
numa escala e num registo eternos.

Nada mudou.
talvez só as maneiras, a dança, as cerimónias.
O gesto da mão protegendo a cabeça
permanece o mesmo todavia.
O corpo enrosca-se, arranha-se e arranca-se,
cai das pernas cortadas, encolhe os joelhos,
arroxeia, incha, baba-se e sangra.

Nada mudou.
Fora o curso do rio,
a linha das florestas, da costa, desertos e glaciares.
Entre paisagens assim se desfia a alma,
desaparece e volta, aproxima-se e parte,
estranha para si própria, inabarcável,
certa uma vez e logo incerta de existir,
enquanto o corpo está, está e está
e não tem lugar para onde ir.

torturas/wislawa szymborska

sexta-feira, março 09, 2007

noivas com buraco negro em circulação temporária


1997






Deveria ser o 'Poema para noiva circular em betão armado plástico cor-de-rosa com rádio digital programado em Fm' ... fica o 'Querelle'

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

tactear para ver no escuro V


2006

Não digo: isso foi ontem. Com insignificantes
trocos de Verão nos bolsos, estamos de novo deitados
sobre o joio do sarcasmo, nas manobras de Outono do tempo.
E a nós não nos é dada, como aos pássaros,
a retirada para o sul. À noite passam por nós
traineiras e gôndolas, e por vezes
atinge-me um estilhaço de mármore impregnado de sonho,
onde a beleza me torna vulnerável, nos olhos.

Leio nos jornais muitas notícias - do frio
e suas consequências, de imprudentes e mortos,
de exilados, assassinos e miríades
de blocos de gelo, mas pouca coisa que me dê prazer.
E porque havia de dar? Ao pedinte que vem ao meio-dia
fecho-lhe a porta na cara, porque há paz
e podemos evitar essas cenas, mas não
o triste cair das folhas à chuva.

Vamos viajar! debaixo de ciprestes
ou de palmeiras ou nos laranjais, vamos
contemplar a preços reduzidos
inigualáveis pores-de-sol! Vamos esquecer
as cartas ao dia de ontem, não respondidas!
O tempo faz milagres. Mas se chegar quando não nos convém,
com o bater da culpa - não estamos em casa.
Na cave do coração, desperto, encontro-me de novo
sobre o joio do sarcasmo, nas manobras de Outono do tempo.

ingeborg bachman / manobras de outono

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Aqui ninguém perde a cabeça por um braço *



podem mergulhar neste tumulto dos sentidos e do sentir
a partir de dia oito de fevereiro no teatro Helena Sá e Costa

* encenação e dramaturgia: Fernando Moreira
interpretação: Gilberto Oliveira, Inês Mariana Moitas, Joana Figueiroa, José Nunes, Sara Costa, Sara Pinto Pereira

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

quarta-feira, janeiro 17, 2007

sob(re) a terra sobram-nos os ossos


alentejo/2005

no olhar sobre a paisagem nunca senti tão agudamente a devastação do tempo
nem me foi tão real a dimensão efémera do homem

segunda-feira, janeiro 15, 2007

o rumor do tempo na paisagem II


2004

Meses y días son perpetuos transeúntes, los años que se relevan son igualmente viajeros. Aquel que boga durante toda su vida (...) del viaje hace su hogar. Y yo mismo, desde hace no sé qué año, como jirón de nube que cede a la invitación del viento, no había cesado de albergar pensamientos vagabundos y había ido errante por las riberas marinas...

citação do poeta japonês Basho / una vuelta por mi cárcel / marguerite yourcenar

segunda-feira, janeiro 08, 2007

no espelho do céu









extraviada numa vhs emprestada/sem retorno reencontrada agora on line
10 minutos de magia do mexicano carlos salces
é só clicar
http://video.google.com/videoplay?docid=3126058786428859050&sourceid=searchfeed

(especialmente para ti)

domingo, janeiro 07, 2007

( )


dolls/takeshi kitano

homens cegos procuram a visão do amor
onde os dias ergueram esta parede
intransponível

caminham vergados no zumbido dos ventos
com os braços erguidos - cantam

a linha do horizonte é uma lâmina
corta os cabelos dos meteoros - corta
as faces dos homens que espreitam para o palco
nocturno das invisíveis cidades

escorre uma linfa prateada para o coração dos cegos
e o sono atormenta-os com os seus sonhos vazios

adormecem sempre
antes que a cinza dos olhos arda
e se disperse

no fundo do muito longe ouve-se
um lamento escuro
quando a alba se levanta de novo no horto
dos incêndios

prosseguem caminho
com a voz atada por uma corda de lírios
os cegos
são o corpo de um fogo lento - uma sarça
que se acende subitamente por dentro.

al berto / horto dos incêndios

sexta-feira, dezembro 29, 2006

sexta-feira, dezembro 22, 2006

a reconstrução dos dias


From standing to crouching
Silently falling
Falling from nowhere to nowhere
Nothing between
Nothing beyond
Nothing behind the stars

This is the last trick I'll do
Sound can be seen
This is the main title
Briefly shaking

This is the last trick I'll do
Sound can be seen
This is the main title
Briefly shaking

Remain for some time
Down here below
Allowing the doubt to feed upon me
And even the ones
Who've never been
Are climbing the wail up ahead

I get up start crawling
Into the same
Over and over and over again
Smelling the plastic
Smelling the spit
And smelling my own breath

This is the last trick I'll do
Sound can be seen
This is the main title
Briefly shaking

This is the last trick I'll do
Sound can be seen
This is the main title
Briefly shaking

The presence convincing
The most of what I've written is false
I mention this
'Cause I'm talking in the light of what's known
I get out of the sun

This is the last trick I'll do
Sound can be seen
This is the main title
Briefly shaking

anja garbarek / the last trick

terça-feira, abril 11, 2006

paisagem com queda de ícaro *



2006

De acordo com Brueghel
quando Ícaro caiu
era primavera

um lavrador arava
os seus campos
todo o esplendor

do ano
formigava ali
à

beira do mar
consigo mesmo
preocupado

suando ao sol
que derretia
a cera das asas

perto
da costa
houve

uma pancada quase imperceptível
era Ícaro
que se afogava

* / william carlos williams

terça-feira, março 14, 2006

la strada



a memória (corrompida) falava de luminosidade e redenção, mas não, gelsomina não ganhou asas e as correntes afinal esmagaram o peito de zampanó

segunda-feira, março 13, 2006

do espiritual na arte (# 06)


pedro cabrita reis, the passage oh the hours, 2004


pedro cabrita reis, absent names, 2003


(excerto de uma entrevista de adrian searle a pedro cabrita reis / www.pedrocabritareis.com)

PCR: Well… I am a gatherer of memories, mostly.
AS: Yours or other people’s?
PCR: Good question. Mine eventually, because everything I work with becomes my experience. It comes to me through memories, sounds, lost things, shadows. I am a gatherer of mysteries, signs of passage… It is like if you are in a hurricane, which is sucking up all the shit: houses, roofs, cars. And when the wind stops it deposits all this stuff and goes off somewhere else, leaving behind what looks like a chaotic archaeological site… which we will reconstruct and shape again and again. Why worry about who made this or that or whom does that belong to? My work has to do with things being unique to one person. It’s about how to remain or what will remain. Survival? Order after chaos? Trying to make sense? A deep, profound desire to maintain one’s self alive, perhaps.

(…)

AS: Why do you think this kind of subject matter has become such a preoccupation? One can trace this focus on architecture through so many artists’ work of the past half century.

PCR: Because nature has disappeared as a reference. We have lost it within ourselves to such a point that we came to the moment where the exercise of architecture is the only form that makes the world comprehensible. After all, architecture is more about defining territories then actually building houses. Being an artist, what I do evolves around architecture as a mental discipline or an exercise of reality, since it’s impossible even to look at a tree without considering it as a part of an elevation that includes my shadow, the line of the horizon, the space between both and the drawing of the steps or of the walk in between those points. And then again here we are talking about space, wich is again architecture, which leads us both to the loss of Nature and – why not? – to the fall of God. It has always been, as it were, against the trees. The world is meaningless unless you define it through a drawing. We have to shape the form of the world.

AS: It is difficult to think of this without feelings of loss and sadness, about nature and our place within it.

PCR: I would say that melancholia is the word we are missing here. Melancholia considered as the condition of being deprived of an external image of the self. Having lost the comfortable reassurance of being part of Nature, we are only left with the perception of the self. And this knowledge implies the drawing of a territory, shall I say an exercise of architecture, an assumption of a self that builds a sense of place. Shaping a form of a wall, opening doors and windows in it, is how one can deal with the landscape which is difficult to be perceived if not through the intersection of a line with another line. Those two create a space where the projection of our shadow is the measuring tool. Or, if you prefer, the reference of a finally regained unity.

AS: I understand your work as not about revolutionary gestures and schism, but about continuities.

PCR: The loss of nature is a wound, still, or forever, to be closed. To be healed. Only artists can do it; in a manner, I suppose, very desperate. I’m not interested in the ephemeral brilliance of those moments of rupture. Instead, I’m further more interested or implied in a gesture of re-building. I’m more interested in the act of doing. Putting things together, establishing a place of memory as an ability to construct. Memory as opposite to nostalgia. I would like my work to be referred to as an inner space of silence, introspection, serenity. Most of all it’s about the inevitable quest for beauty, as a form of absolute inteligence.
(…)

sexta-feira, março 10, 2006

paris, texas



2004

às vezes uma pessoa tem de emudecer


testing


Your scored -6 on the Moral Order axis and 5.5 on the Moral Rules axis.

Matches

The following items best match your score:

  1. System: Socialism
  2. Variation: Extreme Socialism
  3. Ideologies: International Socialism, Activism
  4. US Parties: No match.
  5. Presidents: Jimmy Carter (74.14%)
  6. 2004 Election Candidates: Ralph Nader (80.11%), John Kerry (64.30%), George W. Bush (32.79%)

Statistics

Of the 167169 people who took the test:

  1. 0.2% had the same score as you.
  2. 5.7% were above you on the chart.
  3. 93% were below you on the chart.
  4. 88.4% were to your right on the chart.
  5. 2.2% were to your left on the chart.