quinta-feira, junho 30, 2005
tactear para ver no escuro II
Saía do escuro desfiladeiro. Em boa verdade, já por várias vezes de lá saíra. E havia de sair ainda. Os tratados consagrados à aventura do espírito enganavam-se ao atribuírem a essa aventura sucessivas fases: tudo se confundia, pelo contrário, tudo estava sujeito a ser infinitamente repisado, repetido. A demanda do espírito processava-se em círculo. Dantes, em Basileia, e em vários outros lugares, passara por idêntica escuridão. As mesmas verdades haviam sido reaprendidas várias vezes. Mas a experiência era cumulativa: o passo, com o tempo, tornava-se cada vez mais seguro; o olhar ganhava mais alcance no meio de certas trevas; o espírito constatava, pelo menos, certas e determinadas leis. Como um homem que sobe, ou quiçá desce a falda de uma montanha, assim ele se elevava ou se enterrava sem sair do mesmo sítio; pelo menos, em cada curva, um novo abismo se erguia, ora à direita, ora à esquerda. A ascenção só podia medir-se pelo ar que ia rareando e pelos diferentes cumes que apontavam por detrás daqueles que já pareciam haver ocultado o horizonte. Era, porém, falsa a noção de ascenção ou de descida: os astros tanto brilhavam em cima como em baixo; e ele tanto se achava no fundo do abismo como no centro. O abismo estava, ao mesmo tempo, para além da esfera celeste e no interior da cúpula óssea. Tudo parecia processar-se no extremo limite de uma série infinita de curvas fechadas.
marguerite yourcenar / a obra ao negro, segunda parte: a vida imóvel
quarta-feira, junho 29, 2005
terça-feira, junho 28, 2005
sexta-feira, junho 24, 2005
hanabi ou planando sob o jacarandá
mas nessa altura dançavam pelas ruas fora, quais fantoches febris, e eu trotava atrás deles, como toda a vida fiz no encalço das pessoas que me interessam, porque as únicas pessoas autênticas, para mim, são as loucas, as que estão loucas por viver, loucas por falar, loucas por serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, as que não bocejam nem dizem nenhum lugar comum, mas ardem, ardem, ardem como fabulosas grinaldas amarelas de fogo-de-artifício a explodir, semelhantes a aranhas, através das estrelas e, no meio, vê-se o clarão azul a estourar e toda a gente exclama: Aaaah!
(jack kerouac chegado através do v.b.)
(pinturas de takeshi kitano)
os dias de s. joão são sempre lentos para poder saborear a memória dos meus amores planando em voo raso debaixo do jacarandá
terça-feira, junho 21, 2005
subject : weekly search report
Daily Search Activity
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From: Tue Jun 14 00:00:00 PDT 2005
To: Tue Jun 21 00:00:00 PDT 2005
(no information to report)
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terça-feira, junho 14, 2005
sábado, junho 11, 2005
pode ser sem título *
montemuro/2005
Acontece-me estar sentada debaixo de uma árvore,
à beira-rio,
numa manhã de sol.
Trata-se de um facto inócuo
e não fará parte da história.
Não são batalhas ou pactos
cujas causas se pesquisa,
nem memoráveis assassínios de tiranos.
E contudo aqui estou à beira-rio, é um facto.
E se aqui estou
de algures tive de vir,
e, antes disso,
que deambular por muitos lugares,
tal qual os conquistadores de terras
antes de subirem à coberta.
Qualquer momento mesmo fugaz tem seu passado luxuriante,
a sua sexta antes de sábado,
o seu Maio antes de Junho.
Tem os seus horizontes tão verídicos
como em binóculos de comandantes.
Esta árvore é um choupo há anos enraizado.
O rio é o Raba e é não de hoje o seu fluir.
Não foi anteontem que este carreiro
foi repisado entre os arbustos.
O vento, para dispersar as nuvens,
teve antes que aqui as juntar.
E embora aqui em volta nada de grande aconteça,
nem por isso o mundo é mais pobre de pormenor,
mais mal fundamentado, mais fragilmente definido,
que quando o dominavam as migrações dos povos.
Nem só as secretas conspirações se rodeiam de silêncio.
Nem só às coroações conduzem os cortejos.
Rolam os aniversários das revoluções
como revolteiam os seixos das margens.
Intrincado é também o denso bordado das circunstâncias.
O carreiro de formigas sobre a erva.
A relva cosida ao chão.
o desenho das ondas onde o graveto se insinua.
Acontece assim, estou e olho.
Volteia sobre mim uma borboleta branca
batendo asas que só a ela pertencem,
e, sobre a minha mão, a sombra que
não é de outra, de mais ninguém, é só dela.
E, vendo isto, sinto sempre uma certeza abandonar-me:
a de que aquilo que é importante
o seja mais do que aquilo que não o é.
wislawa szymborska /pode ser sem título, paisagem com grão de areia
terça-feira, junho 07, 2005
quarta-feira, junho 01, 2005
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