sábado, junho 11, 2005
pode ser sem título *
montemuro/2005
Acontece-me estar sentada debaixo de uma árvore,
à beira-rio,
numa manhã de sol.
Trata-se de um facto inócuo
e não fará parte da história.
Não são batalhas ou pactos
cujas causas se pesquisa,
nem memoráveis assassínios de tiranos.
E contudo aqui estou à beira-rio, é um facto.
E se aqui estou
de algures tive de vir,
e, antes disso,
que deambular por muitos lugares,
tal qual os conquistadores de terras
antes de subirem à coberta.
Qualquer momento mesmo fugaz tem seu passado luxuriante,
a sua sexta antes de sábado,
o seu Maio antes de Junho.
Tem os seus horizontes tão verídicos
como em binóculos de comandantes.
Esta árvore é um choupo há anos enraizado.
O rio é o Raba e é não de hoje o seu fluir.
Não foi anteontem que este carreiro
foi repisado entre os arbustos.
O vento, para dispersar as nuvens,
teve antes que aqui as juntar.
E embora aqui em volta nada de grande aconteça,
nem por isso o mundo é mais pobre de pormenor,
mais mal fundamentado, mais fragilmente definido,
que quando o dominavam as migrações dos povos.
Nem só as secretas conspirações se rodeiam de silêncio.
Nem só às coroações conduzem os cortejos.
Rolam os aniversários das revoluções
como revolteiam os seixos das margens.
Intrincado é também o denso bordado das circunstâncias.
O carreiro de formigas sobre a erva.
A relva cosida ao chão.
o desenho das ondas onde o graveto se insinua.
Acontece assim, estou e olho.
Volteia sobre mim uma borboleta branca
batendo asas que só a ela pertencem,
e, sobre a minha mão, a sombra que
não é de outra, de mais ninguém, é só dela.
E, vendo isto, sinto sempre uma certeza abandonar-me:
a de que aquilo que é importante
o seja mais do que aquilo que não o é.
wislawa szymborska /pode ser sem título, paisagem com grão de areia
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
eis como num poema está a síntese das minhas inquietações diárias...
palhaço voador
Enviar um comentário